Operação Poço de Lobato: o ataque contra o Grupo Fit/Refit e o espelho de um problema fiscal
- Alex Lopes

- 27 de nov.
- 4 min de leitura
A operação deflagrada nesta quinta-feira mobilizou uma força-tarefa integrada por Receita Federal, Procuradoria e órgãos estaduais, cumprindo mandados e determinando bloqueios contra alvos relacionados ao grupo conhecido como Fit/Refit.
São dezenas de mandados e investigação em múltiplos estados — uma ação que coloca sob suspeita práticas de fraude tributária, lavagem de dinheiro e ocultação patrimonial em escala bilionária.
🧭 Introdução à operação: o que aconteceu e por quê
A operação — acompanhada por medidas de indisponibilidade de bens e bloqueios judiciais — mira uma rede de empresas, holdings e pessoas físicas que, segundo as investigações preliminares, teriam criado um mecanismo para importar e comercializar combustíveis com tributação reduzida ou omitida, causando prejuízo elevado aos cofres públicos.
A amplitude da ação (vários estados e o Distrito Federal) demonstra que as autoridades estão tratando o caso como estruturado e extensivo.
💰 Valores envolvidos até agora
As reportagens e comunicados oficiais estimam prejuízos aos cofres públicos na casa dos R$ 26 bilhões relacionados às fraudes e débitos atribuídos ao grupo. Além disso, decisões judiciais preliminares registraram bloqueios de ativos que somam bilhões em valores indisponíveis. Esses números são ainda preliminares e poderão ser ajustados conforme apurações e perícias contábeis avançarem.
🏭 Quem são o Grupo Fit / Refit e qual a sua importância no setor de combustíveis
O conglomerado tem origem na estrutura que operava a chamada Refinaria de Manguinhos (Refit). Embora a denominação “refinaria” confira certo status industrial, fiscalizações anteriores — e a própria atuação regulatória — apontaram que a planta realizava mais operações de mistura e comercialização do que refino integrado tradicional. Ainda assim, o grupo conseguiu ocupar papel relevante no mercado independente de combustíveis, movimentando volumes significativos e atuando em diferentes elos da cadeia (importação, estocagem, distribuição). Essa presença faz com que eventuais irregularidades tenham impacto não só fiscal, mas competitivo e de oferta no setor.
Importante destacar que a Refit é a maior devedora de ICMS do Estado de São Paulo, segunda maior do Estado do Rio de Janeiro e a maior devedora da União.
⚖️ Direito de defesa e ausência de pronunciamento
Até o momento da coleta das matérias que embasam esta reportagem, a operação continua em andamento e os investigados não haviam se manifestado publicamente sobre as acusações — algo comum em investigações em curso.
É fundamental destacar que todos os alvos têm direito à ampla defesa e ao contraditório, garantias constitucionais que prevalecem até eventual trânsito em julgado de decisões. A repercussão mediática e política não substitui os ritos processuais.
🔮 Possíveis desdobramentos (cenários)
Cenário de responsabilização efetiva: recuperação significativa de créditos, condenações civis e criminais e uso do caso como catalisador para aperfeiçoar ferramentas de fiscalização.
Cenário de longa disputa judicial: bloqueios parciais, litígios complexos contra offshores e holdings, recuperação parcial dos valores e processos se estendendo por anos.
Cenário de blindagem patrimonial: disputas que resultam em perda de efetividade da recuperação de ativos e pouca mudança estrutural no controle fiscal do setor.
A natureza e o tempo desses desdobramentos dependerão da qualidade das provas contábeis e fiscais, da cooperação internacional (para rastrear offshores) e da capacidade dos órgãos de execução de converter decisões judiciais em efetiva recuperação de valores.
🏛️ Política e regulação: o projeto sobre “devedor contumaz” e o estado da tramitação
Existe um projeto que trata diretamente do tema: o PLP 125/2022 (que integra propostas para instituir um Código de Defesa do Contribuinte e contém dispositivos para combater o chamado “devedor contumaz”).
A Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para essa proposição em 30 de outubro de 2025, o que permite tramitação acelerada; desde então a proposta está em tramitação nas instâncias regimentais da Casa, com movimentações que ainda não culminaram em votação final.
Esse tipo de instrumento legislativo busca dar ferramentas legais para identificar e penalizar contribuintes que reiteradamente deixam de pagar tributos de forma deliberada.
❗ O governo prefere tributar mais ou cobrar melhor?
A investigação do caso Fit/Refit coloca uma pergunta pungente: por que o Estado insiste tanto em ampliar alíquotas e criar novas formas de tributação quando é evidente que grande parte da perda arrecadatória advém de sonegação estruturada?
A provocação é simples: em um país onde uma parcela elevada da arrecadação deixa de ser cobrada por falhas de fiscalização, lacunas legais e estruturas de blindagem patrimonial, a resposta automática de “aumentar impostos” penaliza os contribuintes que já cumprem suas obrigações, enquanto os grandes devedores contumazes permanecem relativamente impunes.
A aprovação e implementação efetiva de instrumentos legais como o PLP 125/2022 poderiam, se bem desenhados, deslocar parte do foco de elevação de carga para melhora na cobrança e na transparência — especialmente no rastreamento de ativos no exterior.
📊 Quanto o Brasil perde com fraudes e evasão fiscal (estimativa)
Estudo amplamente citado e reportado pela imprensa aponta que o Brasil deixa de arrecadar, anualmente, aproximadamente R$ 417.000.000.000 (quatrocentos e dezessete bilhões de reais) devido à sonegação e evasão fiscal — número proveniente de levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) e repercutido pela Agência Brasil.
Há estimativas alternativas e metodologias diferentes (como o chamado “Sonegômetro”) que apontam valores ainda maiores — na faixa de R$ 600 bilhões por ano — dependendo da abrangência (se incluído na conta a informalidade, economia subterrânea etc.).
🔬 Por que esse número (e esse caso) importa para a reforma fiscal
Competitividade: a sonegação em grande escala distorce competição — quem paga em dia sofre desvantagem perante quem opera ilicitamente.
Efetividade da cobrança: instrumentos legais e tecnológicos existem, mas sua aplicação e integração entre entes federativos e com mecanismos internacionais é deficitária.
Política pública: recursos recuperados poderiam financiar investimentos essenciais, reduzir déficits e tornar reformas tributárias menos regressivas.
Transparência internacional: offshores e estruturas transnacionais requerem cooperação e tratados que nem sempre são devidamente explorados pelas autoridades brasileiras.
✅ Conclusão — o início de um caso e o teste de um sistema
A Operação Poço de Lobato, como foi chamada, é apenas o começo de um processo investigativo que terá impacto jurídico, econômico e político.
As cifras iniciais impressionam, mas a verdadeira medida do desfecho estará na capacidade do Estado de transformar diligências em recuperação efetiva de ativos, responsabilização quando cabível e melhorias institucionais para evitar novos vazamentos fiscais.
Enquanto isso, o debate público precisa assumir uma pauta clara: não basta o aumento de carga tributária; é preciso atacar a evasão sistemática, modernizar a cobrança e fechar brechas de blindagem patrimonial — especialmente quando envolvem estruturas internacionais.
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