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A decisão do Copom de manter a taxa Selic inalterada: fundamentos, riscos e perspectivas

1. Introdução


Na última reunião de 2025, realizada nos dias 9 e 10 de dezembro, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu, de forma unânime, manter a taxa básica de juros da economia brasileira — a Selic — em 15% ao ano. A decisão, registrada formalmente em ata, cujo tom claramente conservador, reforça a estratégia de manutenção de uma política monetária significativamente contracionista por um período considerado “bastante prolongado”.


Este artigo tem como objetivo explicar os principais pontos da ata do Copom, fundamentar os motivos que levaram à manutenção da Selic nesse patamar elevado e elencar os fatores de risco que seguem preocupando a autoridade monetária. Ao final, apresenta-se uma avaliação técnica pessoal sobre as perspectivas para o início de um eventual ciclo de cortes de juros.


2. Contexto macroeconômico avaliado pelo Copom


O Copom inicia sua análise destacando um ambiente internacional ainda marcado por incertezas, especialmente relacionadas à condução da política econômica nos Estados Unidos e aos reflexos dessas decisões sobre as condições financeiras globais. Embora o cenário externo tenha apresentado alguma melhora em relação aos meses anteriores, a autoridade monetária ressalta que países emergentes, como o Brasil, seguem mais expostos a choques externos, exigindo cautela adicional.


No âmbito doméstico, o Comitê reconhece que a atividade econômica vem apresentando uma trajetória de moderação, conforme esperado. Os dados mais recentes do Produto Interno Bruto – PIB - indicam desaceleração do crescimento, especialmente no consumo das famílias, que vinha sendo impulsionado por ganhos reais de renda. Ainda assim, o mercado de trabalho permanece apertado, com taxa de desemprego em níveis historicamente baixos, embora já haja sinais iniciais de arrefecimento, como redução da população ocupada e da taxa de participação.


3. Evolução da inflação e das expectativas


No campo inflacionário, o Copom reconhece avanços relevantes. A inflação cheia e as medidas subjacentes apresentaram comportamento mais benigno do que o projetado no início de 2025. Fatores como a apreciação cambial e a acomodação dos preços das commodities contribuíram para a desaceleração da inflação de bens industrializados e de alimentos.


Apesar disso, o Copom é enfático ao destacar que a inflação permanece acima da meta e, mais importante, que as expectativas de inflação seguem desancoradas em todos os horizontes relevantes.


Para 2025 e 2026, as expectativas, principalmente declaradas no Boletim Focus, continuam acima do centro da meta, o que, na avaliação do Comitê, eleva o custo de desinflação e exige uma postura monetária mais restritiva por mais tempo do que em ciclos anteriores.

A inflação de serviços, em particular, segue relativamente resiliente, refletindo a dinâmica ainda aquecida do mercado de trabalho. Esse componente é tratado como um dos principais vetores de preocupação do Bacen, uma vez que tende a responder mais lentamente ao aperto monetário.


4. Política fiscal como fator de risco


Um ponto de destaque na ata é a avaliação do Copom sobre a política fiscal. O Comitê reforça que a política fiscal atua tanto no curto prazo, por meio do estímulo à demanda agregada, quanto no longo prazo, ao influenciar a percepção de sustentabilidade da dívida pública e o prêmio de risco embutido na curva de juros.


O Copom manifesta preocupação com o esmorecimento no esforço de reformas estruturais, o aumento do crédito direcionado e as incertezas em torno da estabilização da dívida pública. Esses fatores, segundo o Comitê, têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia, reduzir a eficácia da política monetária e aumentar o custo do processo de desinflação em termos de atividade econômica.


Nesse contexto, a autoridade monetária enfatiza a necessidade de previsibilidade, credibilidade e coordenação entre as políticas fiscal e monetária — um ponto recorrente na tradição do Banco Central brasileiro, o qual, no entanto, vem sendo colocado em risco pelos discursos do governo atual.


5. Fundamentação da decisão de manter a Selic em 15%


A decisão de manter a Selic em 15% ao ano está fundamentada na avaliação de que o patamar atual da taxa básica de juros é suficientemente contracionista para promover o arrefecimento da demanda agregada, reduzir pressões inflacionárias persistentes — especialmente no setor de serviços — e, sobretudo, conduzir as expectativas de inflação de volta a um nível compatível com a meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional. Na visão do Copom, o fator determinante não é apenas o nível elevado da taxa, mas a sua manutenção por um período suficientemente longo, de modo a permitir que os efeitos defasados da política monetária se transmitam plenamente para a economia real, consolidando a convergência da inflação ao longo do horizonte relevante de política monetária.


Desta forma, a ata deixa claro que o Comitê já superou a fase de discussão sobre se o nível da taxa seria suficiente. Na reunião de dezembro, a conclusão foi de que a estratégia em curso — manutenção da taxa em patamar elevado por período prolongado — é apropriada e coerente com o cenário prospectivo.


Além disso, o Copom reforça que, em um ambiente de expectativas desancoradas, a política monetária precisa ser mais firme e persistente. Cortes prematuros poderiam comprometer o processo de desinflação e exigir, posteriormente, um ajuste ainda mais custoso.


6. Principais preocupações do Copom


Entre os fatores que seguem no radar da autoridade monetária, destacam-se:

  • A persistência da desancoragem das expectativas de inflação;

  • A resiliência da inflação de serviços, associada a um mercado de trabalho ainda apertado;

  • Os riscos fiscais, especialmente aqueles relacionados à trajetória da dívida pública e ao prêmio de risco;

  • A possibilidade de choques externos que afetem o câmbio e as condições financeiras;

  • A assimetria do balanço de riscos, com chances relevantes tanto de surpresas inflacionárias quanto de desaceleração econômica mais intensa.

 

7. Visão dos economistas sobre juros elevados por período prolongado


Do ponto de vista da análise econômica, há relativo consenso de que a manutenção da taxa de juros em patamar elevado por um período prolongado tende a aprofundar a desaceleração da atividade econômica, com impactos negativos sobre o crescimento do PIB no curto prazo.


Os dados mais recentes do Produto Interno Bruto, referentes ao terceiro trimestre, já indicam perda de fôlego da economia brasileira, refletindo a combinação de condições financeiras restritivas, menor impulso do consumo e redução do dinamismo de alguns setores mais sensíveis ao crédito. Esse cenário contribui, inclusive, para o enfraquecimento relativo do Brasil no ranking global de economias, movimento que não deve ser atribuído isoladamente à política monetária.


A condução restritiva da Política Monetária por parte do Bacen, trata-se, contudo, de um remédio amargo, porém necessário, para assegurar a convergência da inflação ao centro da meta.


Cabe destacar que o Bacen cumpre seu papel institucional de guardião da moeda e da estabilidade macroeconômica, atuando de forma técnica e previsível dentro de seu mandato legal. A desaceleração econômica observada não decorre apenas da política monetária, mas também de um ambiente marcado por incertezas fiscais, pela percepção de fragilidade na condução da política econômica e por riscos associados à trajetória da dívida pública, fatores que elevam o prêmio de risco e impõem um custo adicional ao crescimento.


A experiência histórica mostra que episódios de inflação fora de controle geram distorções relevantes, corroem o poder de compra e penalizam de forma desproporcional as camadas mais pobres e vulneráveis da população. Nesse contexto, uma condução econômica percebida como fiscalmente irresponsável tende a agravar o problema, ao pressionar expectativas e reduzir a eficácia da política monetária.


Assim, embora custosa em termos de atividade no curto prazo, a política monetária restritiva é amplamente vista como um instrumento essencial para preservar a estabilidade de preços, evitar desequilíbrios mais profundos e reduzir riscos macroeconômicos significativamente mais severos nos médio e longo prazos.


8. Conclusão e parecer pessoal


Não houve novidades na manutenção do patamar atual da Taxa Selic na última reunião do Copom do ano, entretanto, do ponto de vista técnico, a ata da última reunião de 2025 confirma que o Bacen mantém um tom duro e cauteloso na condução da política monetária e se alguém duvidada disso, após a indicação do economista Gabriel Galípolo a presidência do Bacen, acredito que se enganou.


Embora reconheça que a atividade econômica está arrefecendo conforme o esperado e que a inflação surpreendeu positivamente em relação às projeções do início do ano, o Copom é enfático ao afirmar que a política monetária precisa permanecer restritiva por um período bastante prolongado, essa afirmação torna o cenário de redução de juros no curto prazo cético e bastante duvidoso.


O Comitê sinaliza de forma clara que eventuais cortes de juros não serão guiados por leituras pontuais favoráveis, mas sim por evidências consistentes de convergência da inflação para a meta estabelecida, com expectativas devidamente ancoradas e um quadro macroeconômico que permita a flexibilização sem riscos adicionais.


Nesse sentido, a definição do início do ciclo de cortes permanece incerta. Na minha avaliação, é plausível considerar um início de flexibilização gradual e cautelosa a partir da reunião de março de 2026, com cortes de pequena magnitude. No entanto, esse cenário está longe de ser garantido e dependerá crucialmente da evolução das expectativas de inflação, da dinâmica fiscal e do comportamento da inflação de serviços.


Por fim, merece destaque a mensagem explícita do Banco Central ao afirmar que o Copom não hesitará em retomar o ciclo de alta caso as condições assim exijam. Essa sinalização reforça o caráter vigilante da autoridade monetária e evidencia que o risco fiscal continua sendo um dos principais fatores de assimetria no balanço de riscos.


Em suma, o Banco Central opta por errar pelo excesso de prudência — uma escolha alinhada à tradição da política monetária brasileira e às lições acumuladas ao longo de ciclos anteriores.

 

 

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