A Nova Diretriz do Banco Central: o que muda para fintechs, bancos e para você?
- Alex Lopes

- 1 de dez.
- 8 min de leitura
Nos últimos dez anos, o Brasil viveu talvez a maior revolução financeira de sua história recente. De repente, abrir conta virou tarefa de minutos; cartões passaram a chegar pelo correio como se fossem brindes; transferências ficaram gratuitas; cashback virou o novo cafezinho. O consumidor, encantado com a praticidade, comprou a ideia — literalmente — de que estava entrando numa nova era bancária.
Só tinha um problema: boa parte dessas empresas não eram banco. E, ainda assim, muita gente acreditava que sim, pois eram induzidos a acreditar que estavam diante de um banco digital.
Essa confusão, embora não fosse mal-intencionada, gerou um fenômeno curioso: o brasileiro se sentia seguro como correntista, acreditava possuir uma conta em um banco, mas tecnicamente era apenas usuário de uma conta de pagamento. Não que isso seja ruim — longe disso! — mas é diferente. E diferença regulatória, no sistema financeiro, nunca é detalhe, é arquitetura, e, acima de tudo, informação é poder.
Aí entra o Banco Central - Bacen -, que observou o ruído crescendo e decidiu dar um basta: o Conselho Monetário Nacional, CMN aprovou, em reunião de 27/11/2025, uma norma — detalhada na Resolução Conjunta 17/2025 — que proíbe instituições financeiras que não têm autorização formal para operar como banco de usar os termos “banco” ou “bank”, ou mesmo variações em outras línguas estrangerias, em seus nomes empresariais, marcas, domínios na internet ou qualquer forma de apresentação ao público.
Parece cosmético, mas é um ajuste estrutural — e muito necessário.
Antes de entrar nos detalhes, vale lembrar: contas em fintechs e Instituições de Pagamentos - IPs - são seguras dentro daquilo que elas são. O problema não é risco imediato, mas percepção equivocada. E num país acostumado a crises bancárias, inflação crônica e sustos regulatórios, percepção errada vira estresse rápido.
📌 Por que o Banco Central decidiu intervir?
A resposta curta e direta: para proteger o consumidor.
A resposta mais longa e detalhada tem três camadas:
1. O consumidor estava confundindo funções
Para a pessoa comum, saldo em conta corrente é saldo. Mas para o regulador, ou seja o Bacen, saldo pode ser:
depósito bancário,
moeda eletrônica,
saldo em conta transacional,
crédito sob liquidação.
E cada um carrega riscos, proteções e obrigações diferentes.
2. A linha entre "banco" e "app que parece banco" ficou borrada
Campanhas publicitárias e design inteligente fizeram o público sentir que estava num banco moderno. Só que, juridicamente, não estava.
3. A confusão cria risco sistêmico
Quando uma fintech cai, o impacto é limitado. Quando um banco cai, o impacto para o setor financeiro é gigante.
Se o público não distingue um do outro, a confiança no sistema como um todo pode ficar abalada — e confiança é o oxigênio do mercado financeiro.
💥 Mas fintech já quebrou no Brasil? Sim — e é daí que vem a lição
Embora o sistema brasileiro seja sólido e reconhecido como um dos mais seguros do mundo, tivemos episódios recentes que servem de alerta:
🔸 Carteiras Digitais Menores
Durante a explosão do PIX (2021–2023), houve uma corrida enorme de pequenas Instituições de Pagamento querendo operar como “mini bancos digitais”.
Essas empresas ofereciam:
serviços de carteira digital,
saldos em conta,
cartão pré-pago,
boleto,
e até pseudo “conta corrente”.
A parte problemática veio quando algumas dessas empresas não tinham estrutura financeira, governança ou liquidez suficiente para suportar o rápido crescimento operacional.
Algumas dessas IPs pequenas:
não conseguiram honrar saques,
ficaram sem caixa para liquidar transações,
bloquearam saldos temporariamente,
atrasaram devoluções do PIX,
ou simplesmente interromperam operações da noite para o dia.
Esses problemas não viraram manchetes nacionais porque eram empresas pequenas — mas afetaram milhares de usuários, especialmente em regiões mais carentes onde carteiras digitais de baixo custo se espalharam rápido.
📉 Fintechs / IPs brasileiras que fecharam ou faliram
Segundo levantamento citado pelo portal especializado, mais de 50 fintechs brasileiras faliram entre 2016 e 2021.
Entre os casos citados na pesquisa de queda de fintechs no Brasil aparecem empresas como Bela Pagamentos, Smart MEI e Brazilex.
As causas mais comuns desses colapsos? Falta de capital, modelo de negócio fraco, incapacidade de escalar, má gestão, competição acirrada ou falha na adaptação às exigências regulatórias.
Há também fintechs — muitas de pequeno porte — que enfrentaram “primeira prova de fogo” durante a pandemia e a crise de liquidez subsequente. Com queda de investimentos e aumento da inadimplência, várias não conseguiram sobreviver sem um parceiro forte.
Grandes fintechs com tração, capital robusto e governança tendem a sobreviver — às vezes até virar “banco de fato”. Mas o grosso do ecossistema fintech é formado por startups menores, com pouco capital, baixa governança, gestão não capacitada e alto risco.
A “taxa de mortalidade” dessas pequenas ainda é muito grande.
Essas empresas muitas vezes atendem nichos, regiões ou populações mais vulneráveis, o que multiplica o impacto moral e reputacional de uma falha.
🏦 Banco x IP x Fintech: afinal, qual a diferença?
Mas afinal, qual a diferença entre banco tradicional, instituição de pagamento e fintech.
Vamos destrinchar com precisão — mas sem hermetismo contábil.
🏛️ Banco: o “adulto responsável” do sistema
O banco é a instituição autorizada a:
captar depósitos do público
usar esses depósitos para emprestar
criar moeda escritural
acessar redesconto (o “empréstimo de emergência” do BC)
seguir as regras de Basileia (capital mínimo, colchões de segurança, limites de alavancagem)
ser “grande demais para causar dor”
🔍 O que é Basileia?
Um conjunto de normas internacionais que define quanto capital próprio um banco precisa ter para cobrir riscos. Em resumo:
“Quer correr risco? Tudo bem, mas mostre que você tem bala na agulha.”
🔍 O que é redesconto?
O redesconto funciona como uma linha de liquidez de última instância oferecida pelo Bacen aos bancos. É o “balcão emergencial” para garantir que o sistema não trave quando algum banco fica curto de caixa no curto prazo. A lógica clássica (lá dos tempos de Bagehot) é: empreste caro, empreste com garantia e só para quem é solvente.
Essas ferramentas existem porque banco pode, sim, quebrar uma economia inteira se não for bem regulado.
💳 Instituição de Pagamento (IP): o “facilitador”
IPs são empresas (fecha bem, são empresas e não bancos) que:
Guardam moeda eletrônica, mas não depósito — o saldo que você enxerga em uma IP não é um depósito bancário. Ele é moeda eletrônica, o que significa que esse valor não compõe um passivo financeiro típico, como ocorre nos bancos. Na prática, trata-se de uma obrigação operacional, totalmente lastreada pela moeda eletrônica correspondente e mantida em contas segregadas.
Confuso? A analogia simplifica:
Banco → quando você deposita, está basicamente emprestando seu dinheiro ao banco. Ele usa esses recursos — empresta, investe, gira balanço — e “promete” devolver quando você quiser sacar.
IP → aqui, você apenas estaciona o dinheiro. A instituição não pode usar, emprestar ou alavancar esses valores. É só guarda e movimenta conforme sua ordem.
não criam risco sistêmico
são obrigadas a separar o dinheiro do cliente do seu próprio caixa
É seguro? Sim — e, paradoxalmente, é seguro justamente porque a IP não pode mexer no seu dinheiro.
🚀 Fintech: o “modelo de negócios”, não uma categoria regulatória
A fintech pode ser:
Instituição de Pagamento - IP,
Sociedade de Crédito Direto - SCD - tipo de instituição financeira criada pelo Banco Central para permitir que empresas façam empréstimos com capital próprio, exclusivamente por meio de plataformas digitais.
Sociedade de Empréstimo entre Pessoas - SEP - faz a intermediação entre investidores e tomadores,
banco (se virar uma fintech),
ou até uma empresa de tecnologia que só integra pagamentos.
“Fintech” é licença. E o Bacen quer deixar isso cristalino.
⚖️ E a decisão do Bacen? O que muda?
1. Proibição do uso do termo “banco” por quem não é banco
A partir de agora, marketing não pode criar percepção indevida.
2. Rebranding obrigatório
Haverá custo e reeducação do consumidor.
3. Transparência real
O cliente finalmente vai entender que:
saldo da fintech é diferente de depósito bancário
conta de pagamento é diferente de conta corrente
risco da IP é diferente de risco de banco - lembrando, não existe risco zero.
4. Mercado mais saudável
A separação clara evita pânico desnecessário e fortalece o ecossistema.
🤔 E quem tem dinheiro em fintech? Deve se preocupar?
Aqui vai a resposta direta — sem rodeios:
❌ Não, você não está em risco imediato.
✔️ Mas sim, você deve saber exatamente onde seu dinheiro está e o que significa estar lá, deve ter a informação clara de como seu dinheiro é operado e a diferença entre banco tradicional e "fintech".
A pergunta que o regulador quer que você faça é simples:
“O que esta instituição pode fazer com meu dinheiro? E o que ela NÃO pode fazer?”
Entender isso não evita só sustos — evita decisões ruins.
📱As Fintechs e a Democratização do Sistema Financeiro.
Nos últimos dez anos, o sistema financeiro brasileiro passou por uma reviravolta que nem o mais visionário dos analistas teria antecipado. De repente, abrir conta deixou de exigir fila em agência, terno de domingo e comprovante de residência dobrado no bolso. Um celular na mão passou a bastar. As fintechs — essas “novatas barulhentas” — puxaram o gatilho da transformação.
E, sim, goste-se ou não, elas democratizaram o acesso ao sistema financeiro. Milhões de brasileiros que antes viviam à margem do sistema formal finalmente chegaram à mesa: contas digitais, cartão de crédito, PIX, transferências imediatas, crédito pessoal, microcrédito, investimentos básicos… um ecossistema inteiro antes restrito a poucos.
Mas, não existe almoço grátis.
As fintechs reduziram barreiras históricas:
Custo de entrada praticamente zero.
Abertura de conta em minutos, sem agência, sem gerente e sem burocracia.
Acesso a crédito e cartão de crédito para públicos que antes eram considerados “mal enquadrados”.
Expansão geográfica: comunidades sem agência bancária agora têm acesso a serviços financeiros pelo smartphone.
O impacto é concreto: milhões de pessoas, especialmente das classes C, D e E, passaram a ter conta digital, movimentar dinheiro e participar da economia formal. Elas deixaram de ser “invisíveis bancários”.
Essa abertura de portas gerou competição. E quando a competição entra, as tarifas caem, a experiência melhora e os bancos tradicionais são obrigados a recalibrar discursos, práticas e — veja só — tarifas.
Ter acesso é uma coisa, ter profundidade e conhecimento financeiro é outra.
A inclusão digital é uma vitória extraordinária, mas criou um novo tipo de divisão: a fronteira do letramento digital e financeiro.
Ter uma conta não garante:
boa gestão financeira,
entendimento de riscos,
uso consciente de crédito,
proteção contra golpes digitais.
O brasileiro finalmente entrou no sistema financeiro — agora precisa aprender a navegar nele. Inclusão é ponto de partida; educação financeira desde os primeiros anos de escola é o que transforma acesso em autonomia e amadurece todo o sistema.
🔚 Conclusão: a mudança é menos sobre nomes e mais sobre maturidade
O Brasil construiu um sistema financeiro invejavelmente estável, mesmo com crise atrás de crise e em ambiente, até alguns anos, de hiper inflação.
O que o Bacen está fazendo agora é um avanço, é manutenção da ordem, é de certa forma "dar nome aos bois".
No fim das contas, a pergunta que fica é:
👉 Você prefere um mercado bagunçado, onde ninguém sabe quem é quem, que regra deve seguir — ou um mercado no qual inovação convive com segurança e clareza?
Fintechs são ótimas, inovadoras, vieram para mudar a forma como o brasileira se relaciona com o mercado financeiro, práticas e eficientes.
As fintechs fizeram o sistema financeiro brasileiro crescer para fora: mais gente, mais acesso, mais participação.
Mas é o sistema bancário tradicional e regulado que mantém o sistema de pé, com redesconto, compulsório, Basileia, proteção sistêmica e gestão prudencial.
O Brasil ganha quando essas duas forças — inovação e solidez — caminham juntas.
E, convenhamos: para um país que por décadas conviveu com uma exclusão financeira estrutural, ter milhões de novos usuários acessando serviços básicos já é, por si só, um avanço histórico.
A verdadeira democratização só se completa quando inclusão, educação financeira e solidez regulatória caminham lado a lado.
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