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Auditoria Interna: como avaliar o desempenho e reconhecer o valor entregue


1. Introdução: quando cumprir o plano não é suficiente


Ao final de cada exercício social, uma cena se repete em inúmeras organizações: a Auditoria Interna apresenta ao Comitê de Auditoria ou à Alta Administração um relatório de atividades destacando, com legítimo orgulho, que 100% do Plano Anual de Auditoria foi executado.


Auditorias realizadas, relatórios emitidos, recomendações formalizadas. Missão cumprida? Mas realmente a missão foi cumprida?


Do ponto de vista operacional, sim. Do ponto de vista normativo, talvez. Do ponto de vista de valor agregado, a resposta exige uma reflexão e análise muito mais aprofundada


A pergunta que deveria orientar o encerramento do ciclo anual não é apenas “o que foi feito?”, mas sobretudo:


“O que efetivamente mudou na organização em função do trabalho da Auditoria Interna?”

“O que o trabalho de Auditoria Interna agregou a organização?”


É a partir dessa provocação que se constrói a discussão sobre desempenho, mensuração e reconhecimento da função de Auditoria Interna.


2. Auditoria Interna não é apenas execução


Segundo a definição consagrada pelo International Professional Practices Framework (IPPF), adotada pelo IIA Brasil, a Auditoria Interna é:


“Uma atividade independente e objetiva de avaliação e consultoria, criada para agregar valor e melhorar as operações de uma organização, auxiliando-a a atingir seus objetivos por meio de uma abordagem sistemática e disciplinada à avaliação e melhoria da eficácia dos processos de gerenciamento de riscos, controle e governança.”


Essa definição, por si só, estabelece três premissas incontornáveis:


  1. Agregar valor é parte explícita da missão.

  2. A atuação vai além da avaliação — inclui consultoria e orientação.

  3. O foco está em riscos, controles e governança, e não apenas em conformidade.


Já a Auditoria Interna Governamental Brasileira, alinhada a esses mesmos princípios, reforça que a função deve ser proativa, orientada a riscos e focada na melhoria organizacional, contribuindo para que riscos relevantes sejam mitigados antes de se materializarem.


Portanto, se a missão institucional da Auditoria Interna é agregar valor, melhorar operações e contribuir de forma estruturada para a eficácia da gestão de riscos, dos controles internos e da governança, torna-se legítimo — e necessário — questionar se os indicadores tradicionalmente utilizados para avaliar seu desempenho são, de fato, suficientes.


Medir apenas o cumprimento do Plano Anual de Auditoria, o número de trabalhos executados ou a pontualidade na emissão de relatórios pode até indicar disciplina operacional, mas dificilmente responde a questões mais profundas e estratégicas: a Auditoria Interna atuou nos riscos que realmente importavam? Conseguiu antecipar problemas antes que se materializassem em perdas? Influenciou decisões relevantes? Elevou o nível de maturidade da organização?


Em outras palavras, será que não estamos avaliando a Auditoria Interna mais pelo volume de entregas do que pelo impacto gerado? Será que a métrica escolhida reflete apenas o esforço despendido ou, de fato, os benefícios concretos e estratégicos proporcionados à organização?


Se a resposta a essas perguntas não for clara, talvez o problema não esteja na atuação da Auditoria Interna, mas na forma como escolhemos mensurá-la


3. A limitação do modelo tradicional de avaliação


Na prática, observa-se que muitas organizações ainda avaliam o desempenho da Auditoria Interna predominantemente a partir de indicadores de natureza operacional, tais como o percentual de execução do Plano Anual de Auditoria, o cumprimento de prazos estabelecidos, a quantidade de auditorias realizadas e o número de relatórios emitidos ao longo do exercício.


Esses indicadores, sem dúvida, possuem relevância. Eles refletem disciplina de planejamento, capacidade de execução, organização metodológica e eficiência na utilização dos recursos disponíveis. São, portanto, métricas necessárias para assegurar a governança da própria função de Auditoria Interna e demonstrar conformidade com padrões profissionais.


Entretanto, do ponto de vista da efetividade organizacional, tais indicadores capturam majoritariamente esforço, atividade e produção, mas oferecem uma visão limitada sobre resultado, impacto e valor agregado.


Em outras palavras, medem o quanto foi feito, mas dizem pouco sobre o quanto isso contribuiu para reduzir riscos, fortalecer controles ou melhorar a tomada de decisão.


Nesse contexto, é perfeitamente possível — e não incomum — que uma Auditoria Interna execute integralmente o Plano Anual aprovado, emita relatórios tecnicamente corretos, bem estruturados e aderentes às normas profissionais, e ainda assim não promova alterações significativas no perfil de riscos da organização, tampouco gere mudanças estruturais nos processos mais críticos.


Essa constatação evidencia um ponto de inflexão fundamental no debate sobre desempenho da Auditoria Interna: eficiência operacional não deve ser confundida com efetividade estratégica. Cumprir o plano, por si só, assegura diligência; demonstrar impacto exige métricas mais sofisticadas, alinhadas aos objetivos organizacionais e à mitigação de riscos relevantes.


4. KPIs tradicionais: necessários, mas insuficientes


A literatura profissional e a prática de mercado mostram que os KPIs mais comuns da Auditoria Interna se concentram em quatro grandes blocos:


Execução e cobertura

  • % de auditorias realizadas vs. plano

  • Cobertura do universo auditável

  • Trabalhos ad hoc atendidos


Eficiência operacional

  • Tempo médio de ciclo de auditoria

  • Prazo de emissão de relatórios

  • Uso de recursos da equipe


Qualidade e aceitação

  • Avaliação da qualidade dos relatórios

  • Grau de satisfação dos gestores auditados

  • Clareza e utilidade das recomendações


Implementação

  • % de recomendações aceitas

  • % de planos de ação implementados

  • Tempo médio de fechamento de achados


Esses indicadores formam a base mínima de governança da função. Sem eles, a Auditoria Interna perde credibilidade. Mas, isoladamente, eles não respondem à pergunta essencial: quanto valor foi efetivamente entregue?


5. Evoluindo a mensuração: da execução ao impacto


Se a Auditoria Interna exige das áreas auditadas métricas claras, indicadores de desempenho consistentes e evidências objetivas de que controles e processos estão funcionando conforme o esperado, é razoável — e até esperado — que essa mesma lógica seja aplicada à avaliação da própria função de Auditoria Interna.


Nesse sentido, organizações em estágio mais avançado de maturidade de governança já reconhecem que indicadores tradicionais, focados exclusivamente na execução do Plano Anual de Auditoria e na eficiência operacional dos trabalhos, embora necessários, não são suficientes para capturar a real contribuição da Auditoria Interna para o alcance dos objetivos estratégicos.


Caso a área de Auditoria Interna ainda não disponha de indicadores estruturados que mensurem impacto, torna-se recomendável iniciar, de forma gradual e metodologicamente consistente, a incorporação de KPIs orientados a riscos, resultados e valor agregado. Essa evolução não implica abandonar métricas clássicas, mas complementá-las com indicadores capazes de evidenciar se o trabalho realizado efetivamente influenciou o perfil de riscos da organização, fortaleceu controles críticos e apoiou decisões relevantes da administração.


Uma avaliação madura da Auditoria Interna, portanto, pressupõe a transição de uma lógica centrada em entregas e atividades para uma abordagem orientada a resultados, impactos e benefícios, alinhando a mensuração do desempenho da função à mesma disciplina analítica que a própria Auditoria Interna aplica em suas avaliações.


KPIs orientados a riscos


Esses indicadores permitem avaliar se a Auditoria Interna está direcionando seus esforços para as áreas de maior exposição e se sua atuação contribui efetivamente para a mitigação de riscos relevantes.


  • Percentual de auditorias focadas em riscos críticos mapeados no universo de riscos corporativos

  • Identificação de riscos relevantes antes da materialização de eventos de perda, fraudes ou sanções

  • Redução do nível de risco residual após a implementação das recomendações de auditoria


KPIs de impacto financeiro (quando aplicável)


Embora nem todos os benefícios decorrentes da atuação da Auditoria Interna sejam passíveis de mensuração financeira direta, sempre que possíveis tais impactos devem ser identificados, estimados e reportados de forma transparente:


  • Valores recuperados

  • Perdas evitadas (estimadas com critérios consistentes)

  • Redução de custos operacionais

  • Mitigação de contingências, multas e penalidades


Nesse contexto, a Auditoria Interna passa a dialogar com a Alta Administração e o Conselho na linguagem que tradicionalmente orienta decisões estratégicas: resultado econômico e preservação de valor.


KPIs de impacto estratégico


Alguns dos ganhos mais relevantes da Auditoria Interna são de natureza qualitativa e estratégica, mas podem — e devem — ser acompanhados por indicadores estruturados:


  • Redução da reincidência de falhas e deficiências relevantes

  • Evolução da maturidade dos controles internos e da governança

  • Qualidade das decisões apoiadas por análises e recomendações da auditoria

  • Participação em iniciativas e projetos estratégicos, preservada a independência

  • Avaliação do Comitê de Auditoria quanto à contribuição da Auditoria Interna para a governança e o gerenciamento de riscos


Esses indicadores evidenciam o papel da Auditoria Interna como agente de melhoria organizacional, indo além da função tradicional de detecção de falhas e assumindo uma posição relevante na sustentação da estratégia e da governança.


6. Ferramentas de avaliação: além dos números


Para capturar esse conjunto mais amplo de valor, algumas ferramentas podem ser particularmente úteis, tais como:


  • Balanced Scorecard adaptado para Auditoria Interna, integrando:

    • Execução

    • Qualidade

    • Valor financeiro

    • Valor estratégico

  • Pesquisas estruturadas com Comitê de Auditoria e Alta Administração

  • Avaliações de maturidade (antes e depois)

  • Relatórios de benefícios consolidados, conectando recomendações a resultados


Essas ferramentas não eliminam a subjetividade, mas a organizam de forma estruturada e transparente.


7. A conclusão que realmente importa: reconhecer valor é parte da governança


Chegamos, então, ao ponto mais sensível — e talvez mais negligenciado — dessa discussão. A Auditoria Interna, por vocação e por mandato institucional, exige das áreas auditadas métricas claras, indicadores de desempenho consistentes, evidências objetivas e demonstrações inequívocas de que controles e processos funcionam de forma eficaz. Paradoxalmente, essa mesma disciplina nem sempre é aplicada com igual rigor à avaliação do desempenho da própria função de Auditoria Interna.


Quando a organização não realiza — ou quando a própria Auditoria Interna não promove — uma análise estruturada, crítica e orientada a impacto sobre sua atuação, abrem-se lacunas relevantes na governança. Entre elas, destacam-se dois riscos particularmente sensíveis: o de subvalorizar uma função essencial, tratando-a como um centro de custo operacional, e o de não reconhecer formalmente os méritos da Auditoria Interna mesmo quando ela antecipa riscos, evita perdas relevantes, fortalece controles críticos e contribui para decisões estratégicas.


Nesse contexto, torna-se evidente que não basta medir. É necessário medir bem, com indicadores que reflitam não apenas atividade, mas resultado; não apenas conformidade, mas contribuição; não apenas execução, mas impacto. E, igualmente importante, é preciso comunicar de forma estruturada e direcionada, traduzindo os resultados da Auditoria Interna para a linguagem da Alta Administração, do Comitê de Auditoria e do Conselho de Administração.


Assumir esse protagonismo na mensuração e na comunicação do próprio desempenho não é um exercício de autopromoção, mas um dever técnico e institucional. Ao demonstrar, em números, em riscos mitigados e em ganhos estratégicos — inclusive qualitativos — o valor que entrega à organização, a Auditoria Interna fortalece sua legitimidade, sustenta seu posicionamento estratégico e cria base objetiva para pleitear investimentos, justificar a ampliação de equipes, incorporar novas competências e adotar ferramentas mais avançadas.


A pergunta que se impõe ao leitor, portanto, vai além da retórica e toca o cerne da profissão:


A Auditoria Interna da sua organização aplica a si mesma o mesmo nível de exigência analítica que aplica às áreas que audita?

Ela consegue demonstrar, de forma estruturada, qual valor entrega, quais riscos mitiga e como contribui para a sustentabilidade do negócio?


Reconhecer o valor da Auditoria Interna não é um gesto de boa vontade institucional. É uma prática madura de governança. E talvez o mais poderoso indicador de maturidade não esteja no volume de relatórios emitidos ou no percentual de execução do plano, mas em uma reflexão simples, embora desconfortável:


Quão mais exposta a riscos estaria a organização se a Auditoria Interna não existisse?


Se essa resposta puder ser sustentada com evidências, métricas e argumentos sólidos, o valor da Auditoria Interna deixa de ser uma percepção subjetiva e passa a ocupar, legitimamente, o espaço estratégico que lhe cabe.


Portanto, quando a Auditoria Interna consegue traduzir sua atuação em riscos mitigados, decisões melhores e valor preservado, ela deixa de ser percebida como custo e passa a ser reconhecida como ativo estratégico de governança.

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